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O princípio da segurança jurídica é um dos mandamentos constitucionais de maior relevância na medida em que o Estado Democrático de Direito somente pode existir e coexistir se estiver presente a certeza irrefutável da imutabilidade de uma questão. Trata-se de um princípio ligado diretamente ao da coisa julgada, ou seja, da certeza de que, tendo sido decidido o assunto pela autoridade judicante, o direito daqueles envolvidos na questão passa a ser definitivo, não havendo mais possibilidade de voltar a ser discutido ou postulado.

Ou seja, há a convicção por parte do cidadão de que seu direito será preservado qualquer que seja a circunstância. Enquanto o princípio da segurança jurídica está previsto na nossa Carta Magna, no artigo art. 5º, inciso XXXVI, o Código de Processo Civil e o Código Civil dispõem como e quando ocorre a coisa julgada, amparando assim o preceito constitucional da segurança jurídica. No Direito de Família, todavia, há uma relativização deste princípio na medida em que em muitos dos casos, mesmo após o julgamento definitivo da questão e respectivo trânsito em julgado, algumas questões podem ser revistas como, por exemplo, é o caso dos alimentos, das ações de guarda e de investigação de paternidade. Ou seja, mesmo após o trânsito em julgado de uma decisão, poderão as partes rediscutir o assunto. Isto acontece porque no Direito de Família o que deve prevalecer, sempre, é o bem estar da própria unidade familiar e de seus integrantes no aspecto pessoal e emocional. No caso específico das ações de alimentos, proferida uma decisão e transitada em julgado, ocorre a coisa julgada.

No entanto, como se trata de obrigação que perdura ao longo dos anos e nesse período de tempo podem ocorrer mudanças significativas nas condições das partes envolvidas, está implícita no julgado a teoria da imprevisão, que abre a possibilidade de se modificar um pacto caso sejam alteradas as circunstâncias. Isto significa que a decisão judicial assim como o pacto são passíveis de modificação, desde que a realidade venha a se mostrar, no futuro, distinta daquela que existia à época da decisão. Cabe destacar, a esse respeito, que a Lei 5.478/68 — a chamada Lei de Alimentos — estabelece em seu artigo 15 que “a decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado e pode a qualquer tempo ser revista, em face da modificação da situação financeira dos interessados”. Também no caso de ação de investigação de paternidade com sentença transitada em julgado — que produz coisa julgada material —, vem ganhando força no Direito brasileiro a tese da relativização da coisa julgada sem necessidade de se propor ação rescisória.

Com isso, cada vez menos raras são as oportunidades em que a realização do exame de DNA vem demonstrar exatamente o contrário do que estabelecera a sentença. Cabe aqui destacar, por sua sensatez e brilhantismo, os ensinamentos do professor Cândido Rangel Dinamarco, que no artigo “Relativizar a coisa julgada material” (in Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, 2001, nº 55/56, pg. 7 e seguintes) tratou em profundidade do tema. De início, ao se referir à coisa julgada, Dinamarco observa que esta “não tem dimensões próprias, mas as dimensões que tiverem os efeitos da sentença” e esclarece que, sendo ela “um elemento imunizador dos efeitos que a sentença projeta para fora do processo e sobre a vida exterior dos litigantes, sua utilidade consiste em assegurar estabilidade a esses efeitos, impedindo que voltem a ser questionados depois de definitivamente estabelecidos por sentença não mais sujeita a recurso.

A garantia constitucional e a disciplina legal da coisa julgada recebem legitimidade política e social da capacidade, que têm, de conferir segurança às relações jurídicas atingidas pelos efeitos da sentença.” Como se sabe, Dinamarco de loga data defende a necessidade de se equilibrar adequadamente, no sistema processual, “as exigências conflitantes da celeridade, que favorece a certeza das relações jurídicas, e da ponderação, destinada à produção de resultados justos”. Para ele, o processo civil deve ser realizado o mais rápido possível — para assim cumprir sua missão pacificadora entre os litigantes —, mas “deve também oferecer às partes meios adequados e eficientes para a busca de resultados favoráveis, segundo o direito e a justiça, além de exigir do juiz o integral e empenhado conhecimento dos elementos da causa, sem o que não poderá fazer justiça nem julgará bem”.

E sintetiza seu raciocínio afirmando que o processo deve se desenvolver e “produzir resultados estáveis tão logo quanto possível, sem que com isso se impeça ou prejudique a justiça dos resultados que ele produzirá”. Coisa julgada material e coisa julgada formal No Estado Democrático de Direito um dos objetivos buscados pela instituição Justiça é a segurança nas relações jurídicas, que se constitui em poderoso instrumento de paz para a sociedade. Quando se profere uma decisão judicial, acabam em certa medida as incertezas e angústias que envolviam as partes em litígio. A bem da verdade, esse apaziguamento ou estabilização atinge seu mais alto ponto quando ocorre a coisa julgada, que é a imutabilidade da sentença e de seus efeitos. Frise-se, porém, que a coisa julgada formal e a coisa julgada material são dois aspectos do mesmo fenômeno de imutabilidade, consistindo a coisa julgada material na imutabilidade dos efeitos substanciais da sentença de mérito — seja a sentença declaratória, constitutiva de direitos ou condenatória —, ou mesmo quando a demanda é julgada improcedente e a partir do momento em que não cabe mais nenhum recurso.

Ou, nas palavras do jurista alemão Konrad Hellwig , a coisa julgada material é o “direito do vencedor a obter dos órgãos jurisdicionais a observância do que tiver sido julgado”. “Quando, porém,” — ensina Dinamarco — “já não se pensa nos efeitos imunizados da sentença, mas na sentença em si mesma como ato jurídico do processo, sua imutabilidade é conceituada como coisa julgada formal. Em um momento, já não cabendo recurso algum, ela opera sua eficácia consistente em pôr fim à relação processual (art. 162, § 1º) e, a partir de então, nenhum outro juiz ou tribunal poderá introduzir naquele processo outro ato que substitua a sentença irrecorrível. A coisa julgada formal existe quando já não for possível, pelas vias recursais, cassar a sentença proferida e muito menos substituí-la por outra.”

Assim, explica o doutrinador, a coisa julgada material é a imunidade dos efeitos da sentença, que os acompanha na vida das pessoas ainda depois de extinto o processo, impedindo qualquer ato estatal, processual ou não, que venha a negá-los. Já a coisa julgada formal é fenômeno interno ao processo e refere-se à sentença como ato processual, imunizada contra qualquer substituição por outra. Mais importante que nos prolongarmos sobre as diferenças conceituais entre coisa julgada material e formal é observarmos que, da mesma forma que é relativo e não absoluto o valor da segurança das relações jurídicas dentro do sistema jurisdicional, o mesmo ocorre com a garantia da coisa julgada, “porque ambos devem conviver com outro valor de primeiríssima grandeza, que é o da justiça das decisões judiciárias, constitucionalmente prometido mediante a garantia do acesso à Justiça (CF, art. 5º, inc. XXXV)” assinala o autor de “Relativizar a coisa julgada material”.

Concordamos com a posição defendida por Dinamarco e outros insignes doutrinadores pátrios segundo os quais já não faz sentido, nos dias que correm, defender a ferro e fogo a imutabilidade absoluta da coisa julgada conforme ela está garantida pela Constituição, de vez que não se pode em sã consciência manter injustiças eternamente a pretexto, tão somente, de evitar que incertezas e angústias se eternizem. Isto se aplica especialmente no Direito de Família e, felizmente, também os tribunais têm pouco a pouco adotado esta interpretação mais favorável à relativização da coisa julgada. É bem conhecida dos advogados que militam em Direito de Família e dos juristas que se debruçam sobre a questão da necessária relativização, em situações extraordinárias, da imutabilidade da coisa julgada, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) contrária a tal relativização, sob o argumento de que “seria terrificante para o exercício da jurisdição se fosse abandonada a regra absoluta da coisa julgada”, e classificando de “libertadora” a regra legal (CPC, art. 468) que a assegura.

No caso, tratava-se de sentença já transitada em julgado, afirmando a paternidade de uma pessoa em face de um suposto filho, sem a realização do exame de DNA. Tal exame, feito depois de consumada a coisa julgada, veio a afastar essa paternidade, mas o STJ fez prevalecer a autoridade do julgado: RECURSO ESPECIAL Nº 107.248- GOIAS – (96.57129-5) (1.397) RELATOR: O EXMO SENHOR MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIAS RECORRIDO: JOSÉ BALDO ADVOGADOS: DRS. GOIANO BARBOSA GARCIA E OUTRO EMENTA Ação de negativa de paternidade. Exame pelo DNA posterior ao processo de investigação de paternidade. Coisa julgada. 1. Seria terrificante para o exercício da jurisdição que fosse abandonada a regra absoluta da coisa julgada que confere ao processo judicial força para garantir a convivência social, dirimindo os conflitos existentes.

Se, fora dos casos nos quais a própria lei retira a força da coisa julgada, pudesse o Magistrado abrir as comportas dos feitos já julgados para rever as decisões não haveria como vencer o caos social que se instalaria. A regra do art.468 do Código de Processo Civil é libertadora. Ela assegura que o exercício da jurisdição completa-se com o último julgado, que se torna inatingível, insuscetível de modificação. E a sabedoria do Código é revelada pelas amplas possibilidades recursais e, até mesmo, pela abertura da via rescisória naqueles casos precisos que estão elencados no art. 485. 2. Assim, a existência de um exame pelo DNA posterior ao feito já julgado, com decisão transitada em julgado, reconhecendo a paternidade, não tem o condão de reabrir a questão com uma declaratória para negar a paternidade, sendo certo que o julgado está coberto pela certeza jurídica conferida pela coisa julgada. 3. Recurso especial conhecido e provido.

ACORDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Senhores Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento. Participaram do julgamento os Senhores Ministros Costa Leite, Nilson Naves e Waldemar Zveiter. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Eduardo Ribeiro. Brasília, 07 de maio de 1998. (data do julgamento) MINISTRO COSTA LEITE Presidente MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO Relator Sobre tal decisão, comenta Dinamarco sem esconder seu desapontamento: “O resultado é que, em homenagem ao mito da segurança das relações jurídicas, aquela pessoa arcará com todos os deveres de pai perante uma pessoa que não é seu filho e em relação ao qual provavelmente não nutre afeição alguma; seus filhos daquela pessoa suportarão, no futuro, uma partilha que aquinhoará o não-filho. Esse fortíssimo precedente jurisprudencial, que se alinha na postura tradicional em relação à auctoritas rei judicatae e portanto é uma manifestação integrada em determinado ambiente cultural, na minha óptica merece a censura que merece o próprio pensamento tradicional e suscita ainda uma vez, a preocupação em equilibrar valores constitucionais, sem dar peso absoluto a qualquer um deles. Vejo também com muita preocupação a relativa disposição a favorecer o Estado com a flexibilização da coisa julgada, sem flexibilizá-la em prol de outros sujeitos ou em face de valores ainda mais nobres que os relacionados com os interesses estatais puramente patrimoniais”.

Em contrapartida, outro julgado do mesmo STJ (4ª Turma), mais recente, admitiu uma segunda ação de investigação de paternidade entre as mesmas partes, havendo a primeira sido julgada improcedente por insuficiência probatória. Ponderou sabiamente o relator, Ministro Sálvio Figueiredo Teixeira, que ao tempo do primeiro julgado o exame de DNA não era ainda suficientemente divulgado, o que pode ter dificultado a defesa dos interesses do autor: PROCESSO CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. REPETIÇÃO DE AÇÃO ANTERIORMENTE AJUIZADA, QUE TEVE SEU PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE POR FALTA DE PROVAS. COISA JULGADA. MITIGAÇÃO. DOUTRINA. PRECEDENTES. DIREITO DE FAMÍLIA. EVOLUÇÃO. RECURSO ACOLHIDO. I – Não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva ação de investigação de paternidade, diante da precariedade da prova e da ausência de indícios suficientes a caracterizar tanto a paternidade como a sua negativa, e considerando que, quando do ajuizamento da primeira ação, o exame pelo DNA ainda não era disponível e nem havia notoriedade a seu respeito, admite-se o ajuizamento de ação investigatória, ainda que tenha sido aforada uma anterior com sentença julgando improcedente o pedido. II – Nos termos da orientação da Turma, “sempre recomendável a realização de perícia para investigação genética (HLA e DNA), porque permite ao julgador um juízo de fortíssima probabilidade, senão de certeza” na composição do conflito.

Ademais, o progresso da ciência jurídica, em matéria de prova, está na substituição da verdade ficta pela verdade real. III – A coisa julgada, em se tratando de ações de estado, como no caso de investigação de paternidade, deve ser interpretada modus in rebus. Nas palavras de respeitável e avançada doutrina, quando estudiosos hoje se aprofundam no reestudo do instituto, na busca sobretudo da realização do processo justo, “a coisa julgada existe como criação necessária à segurança prática das relações jurídicas e as dificuldades que se opõem à sua ruptura se explicam pela mesmíssima razão. Não se pode olvidar, todavia, que numa sociedade de homens livres, a Justiça tem de estar acima da segurança, porque sem Justiça não há liberdade”. IV – Este Tribunal tem buscado, em sua jurisprudência, firmar posições que atendam aos fins sociais do processo e às exigências do bem comum. (resp 226436 PR, 4ª Turma, Sálvio de Figueiredo Teixeira) Temos para nós que é justamente nos casos de investigação ou de negação de paternidade, assim como nos de alimentos e de guarda de menores, que se faz mais necessária, no âmbito do Direito de Família, a flexibilização da coisa julgada a fim de não se eternizarem decisões injustas a pretexto de manter a sociedade confiante na imutabilidade das decisões transitadas em julgado. Nessa linha, dos mais pertinentes são os comentários da sempre lúcida e progressista advogada de família Maria Berenice Dias, ex- desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao observar que dentre as demandas que tramitam nas Varas de Família, a investigatória de paternidade é provavelmente a que apresenta maiores dificuldades no campo probatório.

Mas, como ela própria assinala em seu artigo “Investigação de paternidade, prova e ausência de coisa julgada material”, de 6 de janeiro de 2009, foi também a ação que mais se beneficiou dos avanços ocorridos com a descoberta dos indicadores genéticos. Esses indicadores genéticos, que vieram possibilitar a popularização dos exames de DNA, representaram quase uma revolução científica, com importantes reflexos no sentido de se identificar as relações de parentesco. No mencionado artigo, Maria Berenice, que é vice-presidente do Ibdfam (Instituto Brasileiro de Direito de Família), explica que a primeira questão que se apresenta para se iniciar uma ação de investigação de paternidade refere-se à “definição da causa de pedir como elemento identificador da ação.

Ainda que elenque o art. 363 do Código Civil as hipóteses de cabimento da ação para o reconhecimento da filiação, não se pode deixar de reconhecer que o fato gerador do direito é, ao fim e ao cabo, a existência de uma relação sexual entre os genitores do investigante. Para o exercício do direito de ação, não é necessário que à época da concepção estivesse a mãe concubinada com o pretenso pai (inciso I) ou que este a houvesse raptado (inciso II). Igualmente dispensável a existência de escrito reconhecendo expressamente a paternidade (inciso III). Basta tão só a alegação – e, consequentemente, a prova – da existência de um contato sexual entre ambos”. Ora, como geralmente esse tipo de relacionamento se dá entre quatro paredes, de forma reservada e sem testemunhas, “é inquestionável que a prova do fato constitutivo que sustenta a ação se torna particularmente dificultosa. Trata-se de probação de ato praticado por terceiros, do qual o autor não foi partícipe, mas quase que mera ‘consequência’, o que mais aumenta a dificuldade de amealhar provas”, afirma Maria Berenice, acrescentando que diante “de tais peculiaridades, nessa espécie de demanda, é necessário equacionar a distribuição dos encargos probatórios feita pelo art. 333 do Código de Processo Civil”. Nesse passo, prossegue a conhecida doutrinadora, não se pode exigir do autor do processo que faça prova do fato constitutivo de seu direito (inciso I), relegando-se ao demandado a também impossível demonstração de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito alegado na inicial (inciso II). Se é difícil provar a ocorrência da relação sexual, é quase impossível evidenciar que ela não existiu.

“Assim, a prova testemunhal sempre foi usada para apontar ocasiões e identificar situações em que o par foi visto em atitudes que insinuassem a existência de um vínculo afetivo, para concluir-se sobre a possibilidade de ocorrência de um contato sexual. A tese defensiva, de outro lado, muitas vezes centrava-se na arguição da exceptio plurium concubentium, pela qual o demandado, apesar de reconhecer a mantença de relacionamento íntimo com a mãe do investigante, buscava evidenciar a concomitância de contatos sexuais com outros parceiros, linha argumentativa que sempre acabava por denegrir a figura materna, como a apenar o livre exercício da sexualidade.” Parece-nos evidente que tal linha de argumentos só alcançava repercussão favorável no Judiciário por vivermos num país onde caminhavam lado a lado o machismo e a hipocrisia, permitindo-se até pouco tempo atrás praticamente tudo aos homens — de aventuras extraconjugais até mesmo matar cônjuges, amantes ou namoradas a pretexto de lavar a honra —, enquanto que das mulheres se exigia a mais absoluta fidelidade conjugal e, em não sendo casadas, que mantivessem a virgindade e a abstinência sexual até o matrimônio. Meio século após o advento da pílula anticoncepcional, que provocou a chamada “revolução sexual” ao permitir que as mulheres passassem a dispor livremente de seu corpo e de sua sexualidade sem serem obrigadas a arcar com o risco de engravidar sem o desejarem, verifica-se, sobretudo nos grandes centros urbanos que as exigências sociais quanto ao comportamento sexual da mulher vão se modificando e os tabus, caindo, ao mesmo tempo em que o gênero feminino assume gradativamente papel mais importante no mercado de trabalho. Também no que toca às provas na ação de investigação de paternidade muitas inovações vieram à tona nos últimos 30 anos, modificando de modo substancial o terreno pantanoso em que se moviam aqueles que desejavam identificar seu pai biológico. Antes, além da prova testemunhal, quase nada mais havia — observa Maria Berenice, aduzindo que a prova pericial, que, em um primeiro momento, identificava exclusivamente os grupos sanguíneos, era de pouca valia para o reconhecimento da filiação. “Porém, a evolução científica veio a revolucionar a investigação dos vínculos parentais, por meio de métodos cada vez mais seguros de identificação dos indicadores genéticos. Tornou-se meio probatório de muita utilidade nas ações investigatórias de paternidade.

Os índices de certeza de tais exames, por demais significativos, acabaram inclusive por devolver a liberdade sexual à mulher, já que perdeu prestígio a alegação de vida promíscua da mãe do investigante como fato impeditivo à identificação da paternidade”, analisa a ex-desembargadora do TJ-RS. Ela argumenta, porém, que a prova pericial apresenta dupla ordem de dificuldade: primeiro, “necessita que haja a participação do demandado para sua realização. O dever de ambas as partes de colaborar com o Judiciário (art. 339 do CPC) e de proceder com lealdade e boa-fé (inciso II do art. 14 do CPC) não permite impor a alguém que se submeta coactamente à coleta de sangue. Não há como vencer a resistência do investigado, sob pena de afrontar-se o princípio do respeito à integridade física do cidadão, que dispõe de resguardo constitucional.” Neste ponto faz-se imperioso destacar que a sistemática recusa do suposto pai em se submeter ao exame de DNA em ação de investigação de paternidade leva à presunção de paternidade, conforme entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) na Súmula 301, de 2004 (“Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”), aprovada pela Segunda Seção do STJ, composta pela Terceira e pela Quarta Turma.

Aliás, tal entendimento acabou sendo contemplado, meia década mais tarde, pela Lei federal 12.004/2009, que regula a investigação de paternidade de filhos havidos fora do casamento. Com apenas quatro artigos, esta lei estabelece em seu Artigo 1º “a presunção de paternidade no caso de recusa do suposto pai em submeter-se ao exame de código genético – DNA”, trazendo assim grande alívio para os filhos que buscam identificar seu genitor já que não faz qualquer menção a ser tal recusa sistemática, repetida ou insistente. Outra dificuldade apontada por Maria Berenice para a prova pericial nas ações de investigação de paternidade é de ordem pragmática: o elevado valor do exame de DNA, método que apresenta maior índice de certeza, não é custeado pelo Estado. A advogada lembra que no Rio Grande do Sul, o Serviço Médico Judiciário realiza, sem ônus para as partes, o exame pelo método GSE (Grupos Sanguíneos Eritrocitários) que, entretanto, não apresenta resultados com grau de probabilidade muito significativo. “Não dispondo as partes de recursos para arcar com o pagamento dos testes, tem-se dispensado a perícia, fato que resta por fragilizar o contexto probatório, o que, muitas vezes, deságua no desacolhimento da ação”, prossegue ela. No entender da ex-desembargadora, a alegação das partes de não disporem de condições para custear o exame de DNA não deveria impedir a sua realização. Algumas unidades da Federação já dispõem de leis determinando que o Estado arque com os custos do exame, mas ainda assim é comum ele não ser realizado ou haver longa demora para sua realização pro órgãos estaduais. “A omissão persiste mesmo diante da orientação do STJ ao decidir que o juiz pode determinar a realização da prova pericial pelo exame de DNA às expensas do Estado, que deve diligenciar os meios de provê-lo ou criar dotação orçamentária para tal fim”, afirma. De qualquer forma — destaca Maria Berenice —, o que descabe é a falta de provas (decorrente quer da omissão do demandado, quer do fato de as partes militarem sob o pálio da assistência judiciária gratuita) vir a gerar definitivamente a impossibilidade de alguém buscar a identificação de seu vínculo familiar.

Quando não logra o autor provar os fatos constitutivos de seu direito, ou seja, que é filho do réu, o desacolhimento da ação não dispõe de conteúdo declaratório de que o réu não é o pai do autor. A ausência de elementos de convicção no juízo criminal enseja a absolvição. E arremata, citando o renomado processualista Humberto Theodoro Júnior: Ainda que não haja essa possibilidade na esfera cível, a falta de probação não pode levar a um juízo de improcedência, mediante sentença definitiva. A especialista em Direito de Família lembra que há antecedentes legais que podem servir de precedentes para a relativização da coisa julgada na ação judicial relacionada ao estado da pessoa. “Na ação civil pública (art. 16 da Lei nº 7.347/85) e nas ações coletivas de que trata o Código de Defesa do Consumidor (art. 103 da Lei nº 8.078/90), está, de forma expressa, afastada a eficácia erga omnes quando a ação é julgada improcedente por ausência de prova, autorizando qualquer legitimado a intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

Mesmo que ditas disposições sejam tidas como verdadeira excrescência ao princípio da estabilidade jurídica, não se pode deixar de invocar como precedentes a autorizarem o afastamento dos efeitos da coisa julgada quando a ação diz com o estado da pessoa”, pondera. Para ela, a omissão do próprio demandado ou do Estado em viabilizar a realização do exame de DNA, ou seja, da prova, “não permite a formação de um juízo de convicção, a ser selado pelo manto da imutabilidade, de que o réu não é o pai do autor. O que ocorreu foi mera impossibilidade momentânea de identificar a existência ou concluir pela inexistência do direito invocado na inicial. Porém, a omissão probatória, não podendo ser imputada ao investigante, não pode apená-lo com uma sentença definitiva”.

Após observar que a Constituição Federal outorga especial proteção à família (art. 226), proclamando como dever do Estado assegurar à criança a convivência familiar (art. 227) e, ainda, que o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) “decanta que o direito personalíssimo de reconhecimento do estado de filiação é indisponível e imprescritível (art. 27)”, Maria Berenice pondera que tais interesses se sobrepõem ao instituto da coisa julgada, não podendo esta “impedir o livre acesso à Justiça para o reconhecimento da filiação, pois se trata de direito fundamental à identidade. A temporária impossibilidade probatória ou, a negligência do réu em subsidiar a formação de um juízo de certeza para o julgamento não pode gerar certeza jurídica”. Prosseguindo em sua argumentação, a ex-desembargadora do TJ-RS considera essencial repensar a solução que vem sendo adotada ante a ausência de provas nas ações de investigação de paternidade.

“Descabe um juízo de improcedência do pedido, a cristalizar, como coisa julgada, a inexistência do estado de filiação. O que ocorreu foi falta de pressuposto ao eficaz desenvolvimento da demanda, ou seja, impossibilidade de formação de um juízo de certeza, a impor a extinção do processo nos precisos termos do inciso IV do art. 267 do CPC”, afirma. Segundo ela, essa solução, que, tecnicamente, constitui uma sentença terminativa, viabiliza a possibilidade de a parte retornar ao Judiciário, munida de melhores e mais seguras provas, “para a identificação da verdade e o estabelecimento do vínculo mais caro ao ser humano”. E conclui: “Entre a segurança social que a coisa julgada empresta e o direito fundamental à identidade do indivíduo, é imperativo invocar o princípio da proporcionalidade e avaliar o que dispõe de mais valia”. Portanto, é nosso entendimento que, face aos avanços da ciência no campo da Biologia e da Medicina Legal, tornou-se imperativo admitir a relativização da coisa julgada naquelas demandas de investigação de paternidade que transitaram em julgado antes do advento do denominado exame de DNA.

É bem verdade, contudo, que se faz necessário maior controle sobre os laboratórios autorizados a realizar esse tipo de exame, a fim de que não pairem dúvidas a respeito da credibilidade dos resultados obtidos. Estima-se que nos últimos 10 anos passou de 10 para cerca de 100 o número de laboratórios que realizam no Brasil testes de DNA para a identificação de paternidade, enquanto que o preço médio de cada teste caiu de R$ 3.000,00 para algo em torno de R$ 800,00. Entretanto, a popularização do exame não foi acompanhada do necessário controle de qualidade. Afinal, como afirma Hamilton de Oliveira Martins Neto no ensaio “A falibilidade do exame de DNA: Necessidade de revisão da postura dos julgadores nas ações de investigação de paternidade” (in Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano IV, Nº 4 e Ano V, Nº 5 – 2003-2004 –

HYPERLINK, “não se pode questionar que a confiabilidade de uma prova técnica depende de vários fatores. A certeza do exame de DNA, que aponta para um percentual de 99,9999% somente se obtém se o teste for realizado dentro dos parâmetros e condições internacionalmente exigidos. Qualquer descumprimento ou falha compromete por completo o seu resultado”. Ao questionar a pretensa infalibilidade do exame de DNA, Martins Neto aponta como ponto “mais crítico” os aspectos próprios da prova pericial, “os condicionantes físicos e práticos de sua realização, como a técnica utilizada, o laboratório responsável, o perito que o avaliou. Qualquer mácula em um desses itens pode tornar imprestável a prova técnica produzida.

O quadro se agrava ao nos depararmos atualmente com um crescente número de laboratórios que se dizem aptos a realizar o exame do ácido desoxirribonucléico, transformando tão vital perícia em uma prestação de serviço como outra qualquer, trazendo como consequências, como em todo ramo comercial, a busca pelo menor custo para a obtenção de um maior lucro, o que evidentemente reflete na utilização de material, físico e humano, de qualidade discutível”. Parece-nos que nessa questão específica de controle de qualidade dos testes de DNA para determinação de paternidade, deveríamos adotar as normas norte-americanas, que além de serem extremamente rigorosas e exigentes quanto à elevada qualificação do pessoal autorizado a realizar esse tipo de teste, estabelecem a obrigatoriedade de se proceder a dois tipos distintos de teste de DNA e em dois laboratórios especializados. Como já dissemos mais acima, também nas ações de alimentos é de suma importância a relativização da coisa julgada. A nosso ver, é absolutamente descabida a limitação da ação revisional de alimentos apenas aos casos em que se registrar alteração substancial da possibilidade do alimentante ou da necessidade do alimentado.

A despeito do que estabelece em seu art. 15 a Lei 5478/1968, a denominada “Lei de Alimentos”, in verbis — “A decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado e pode a qualquer tempo ser revista, em face da modificação da situação financeira dos interessados.” —, na jurisprudência pátria acabou pacificado o entendimento segundo o qual a sentença que fixa os alimentos faz coisa julgada. Os magistrados ditaram suas decisões com base em doutrinadores bastante conhecidos, como Araken de Assis, que afirmava que a sentença na ação de alimentos não se reveste de nenhuma particularidade especial quanto à coisa julgada. Mais uma vez recorremos aos ensinamentos de Maria Berenice Dias, que com o brilhantismo que lhe é característico trata dessa questão no artigo “Princípio da proporcionalidade para além da coisa julgada”, publicado em 23 de novembro de 2006 no portal do Ibdfam ( HYPERLINK “http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=245” www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=245). “Como a obrigação alimentar, de modo geral, dilata-se por longos períodos de tempo, é comum ocorrer o aumento ou a redução quer das possibilidades do alimentante, quer das necessidades do alimentando. Portanto, são frequentes as ações revisionais, o que, no entanto, não afronta a imutabilidade do decidido. A possibilidade revisional leva à falsa ideia de que a decisão sobre alimentos não é imutável. Transitada em julgado a sentença que estabelece a obrigação alimentar, atinge a condição de coisa julgada material, não podendo novamente esta questão ser reexaminada.

Em se tratando de relação jurídica continuativa, a sentença tem implícita a cláusula rebus sic stantibus, e a ação revisional é outra ação, tem objeto próprio e diferente causa de pedir. Diante de nova situação fática, não pode prevalecer decisão exarada frente a distintas condições das partes”, como, aliás, estabelece o já mencionado Art. 15 da Lei de Alimentos. Prossegue Maria Berenice sua análise observando que o Código de Processo Civil, em seu artigo 471, prescreve que nenhum juiz voltará a decidir questões já decididas, exceto se, quando se tratar de relações jurídicas contínuas, sobrevier mudança no estado de fato ou de direito. Daí concluir-se que a sentença que decide sobre os alimentos passa em julgado em relação à situação de fato existente no momento em que é pronunciada, “cessando seu efeito preclusivo quando, por eventos supervenientes, possa considerar-se alterado o estado de fato ou de direito” que vigorava à época da decisão. Ou, como explicita a vice-presidente do Ibdfam, a sentença na ação revisional de alimentos “não deixa de considerar a decisão judicial anterior: apenas adapta o valor dos alimentos aos novos fatos.

Portanto, a sentença que decide alimentos faz, sim, coisa julgada”. Mais adiante, a doutrinadora faz referência ao princípio da proporcionalidade estabelecido no Código Civil, o qual prevê que a fixação dos alimentos deve, de um lado, atentar às necessidades de quem os reclama e, de outro, às possibilidades do obrigado a prestá-los. Desse princípio decorrem as possibilidades revisionais, a qualquer tempo, do valor dos alimentos, “quer para majorá-los, quer para reduzi-los, quer, inclusive para pôr fim ao encargo quando não há mais necessidade do credor ou possibilidade do devedor”. Assim, se os alimentos foram fixados sem atender as reais possibilidades do alimentante ou as verdadeiras necessidades do alimentado, houve desatendimento ao parâmetro legal, e o uso da via revisional se impõe. Esta adequação pode ser levada a efeito a qualquer tempo, mesmo que não tenha havido alteração nas condições econômicas ou na situação de vida de qualquer das partes.

“Nessa hipótese igualmente não cabe alegar coisa julgada, pois esta não se cristaliza se, quando da fixação dos alimentos, foi desrespeitado o princípio da proporcionalidade”, prossegue Maria Berenice. Ou seja, a revisão dos alimentos é possível sempre que se detectar afronta ao princípio da proporcionalidade, quer porque houve alteração nas condições de qualquer das partes, quer porque este princípio foi desatendido já quando da fixação dos alimentos. Nesse sentido, das mais lúcidas a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, de 2005, mencionada por Maria Berenice, abaixo transcrita: Alimentos. revisão. princípio da proporcionaldiade. coisa julgada. Fixados os alimentos desatendendo ao princípio da proporcionalidade, cabível sua revisão, ainda que não tenha ocorrido alteração no binômio possibilidade/necessidade. Não há falar em coisa julgada, quando ocorre desrespeito ao princípio norteador da fixação do encargo alimentar. Agravo desprovido por maioria, vencido o Relator. AGRAVO DE INSTRUMENTO SÉTIMA CÂMARA CÍVEL Nº 70011932688 COMARCA DE CACHOEIRINHA P.F.S.P. AGRAVANTE J.P.B.P. AGRAVADO ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Magistrados integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, vencido o Relator, negar provimento ao recurso. Custas na forma da lei. Participou do julgamento, além dos signatários, a eminente Senhora DRA. WALDA MARIA MELO PIERRO. Porto Alegre, 27 de julho de 2005. DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, Relator. DESA. MARIA BERENICE DIAS, Presidente e Redatora.

RELATÓRIO Des. Luiz Felipe Brasil Santos (RELATOR) PAULO F. S. P. interpõe recurso de agravo contra decisão proferida nos autos da ação de revisão de alimentos movida por seu filho JOÃO P. B. P., menor representado pela mãe, JULIANA M. B., que deferiu pedido de antecipação de tutela, majorando, liminarmente, os alimentos de 01 para 10 salários mínimos. Assevera que: (1) a decisão afrontou o princípio do contraditório, já que a magistrada desconhecia os fatos e condições do agravante, impondo-lhe um encargo exorbitante; (2) antes do nascimento do agravado, em setembro de 2004, acordou com a mãe deste pagamento de pensão alimentícia; (3) quando da celebração do pacto, seu salário líquido, como jogador de futebol profissional, já era de R$ 9.500,00; (4) ao contrário do que afirmou o agravado, não possui contrato de imagem, visto que desde janeiro p.p. encontra-se com sérias dificuldades físicas, sem qualquer aproveitamento no clube ao qual é vinculado; (5) nunca descumpriu o ajuste de alimentos; (6) “sustenta quase na totalidade toda a sua família, pai, mãe e irmã”; (7) paga a título de prestação da casa em que mora o valor mensal de R$ 2.264,00; (8) necessita de medicação, cujo valor mensal é de R$ 493,00; (9) paga curso para sua irmã, no valor de R$ 1.335,00; (10) presta auxilio para outra criança, que não é seu filho, por caridade; (11) não há nos autos alegação de dificuldade financeira da criança; (12) não houve alteração da situação fática para autorizar a majoração dos alimentos desde a data em que foram eles acordados.

Requer seja agregado efeito suspensivo e, ao final, provido o agravo, reformando-se a decisão. Foi indeferido o pedido de efeito suspensivo (fl. 76). A parte agravada deixou passar in albis o prazo para contra-razões (fl. 78). O parecer é pelo parcial provimento do agravo, para ver arbitrada a verba alimentar, em favor do agravado, em 15% dos rendimentos do agravante (fls. 79/84). É o relatório. VOTOS Des. Luiz Felipe Brasil Santos (RELATOR) Os alimentos revisados foram acordados, em agosto de 2004, quando o agravado ainda era nascituro, em valor equivalente a 2 salários mínimos, mais “plano de saúde completo” e despesas com educação, a serem pagos após seu nascimento (fls. 23/28). Atualmente, conta ele com 08 meses de idade (nasc. 07/11/2004 – fl. 35), possuindo necessidades presumidas, decorrentes da sua fase de desenvolvimento. Entretanto, normais de uma criança de tenra idade, visto que prova não há nos autos do contrário. Necessidades normais estas que, por certo, já foram consideradas, ou deveriam ter sido, quando do ajuste dos alimentos. Desta forma, não está configurado, ao menos até esta fase do processo, aumento das necessidades do alimentando para justificar a majoração liminar dos alimentos acordados.

O alimentante, por sua vez, ao que tudo indica, vez que sequer se alegou o contrário, possui os mesmos rendimentos da época em que celebrou o acordo. Portanto, não havendo prova da alteração do binômio alimentar até a presente fase do processo, conforme exige o art. 1.699 do CCB para a modificação da verba alimentar, deve a pensão ser mantida no patamar anteriormente acordado. Saliento, por fim, que o fato de o alimentante possuir renda considerável, de R$ 12.000,00, como jogador de futebol profissional, não justifica, por si só, a majoração dos alimentos. O que se constata, na realidade, no caso em exame é o arrependimento da representante legal do agravado com relação ao acordo celebrado, visto que a ação revisional foi ajuizada depois de apenas 3 meses após a homologação do ajuste, ocorrida em 25 de outubro de 2004 (fl. 29).

Nesses termos, dou provimento ao agravo, para manter os alimentos no valor acordado. Desa. Maria Berenice Dias (PRESIDENTE E REDATORA) Este processo trata de tema que está a merecer a devida atenção, como venho sustentando, inclusive em sede doutrinária. (Manual de Direito das Famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 468). Na fixação dos alimentos, há que se atender ao critério da proporcionalidade, basta lembrar que é o Juiz quem fixa alimentos. Tanto é assim, que o Juiz pode fixar alimentos em valor superior ao pedido, sem que se possa falar em decisão ultra petita. Também na ação de oferta de alimentos, possível é a fixação dos alimentos em montante maior do que o ofertado pelo autor, mesmo inexistindo pedido reconvencional. Mais, pode o magistrado deixar de homologar acordo quando o valor dos alimentos se afastam do critério da proporcionalidade.

Todos esses exemplos evidenciam que, ao fixar os alimentos, invoca o juiz o princípio norteador para a quantificação do dever de alimentos: o princípio da proporcionalidade, que se cristaliza no binômio possibilidade/necessidade. Fácil constatar que, quando da fixação dos alimentos não foi atendido a tal critério. Foi feito um acordo, enquanto a mulher estava grávida, em que o pai se dispôs a pagar 2 salários mínimos e mais despesas de educação. Só que ele percebe R$ 12.000,00 como jogador de futebol e mais o que eventualmente ganha com a venda de imagem. Esse valor corresponde a 5% do que ele ganha somente a título de salário. Assim, às claras, quando foram fixados os alimentos, por acordo, deixou de ser atendido o critério da proporcionalidade.

Assim, imperiosa a redefinição do encargo alimentar, ainda que não se trate de alteração dos alimentos por mudança quer das possibilidades do alimentante, quer das necessidades do alimentando. Quando ocorre alteração, possível a adequação no valor dos alimentos. Aqui a hipótese é absolutamente diferente. Trata-se do desrespeito ao critério da proporcionalidade quando da fixação dos alimentos. Portanto, não há falar em eventual afronta à coisa julgada. A possibilidade de se adequar os alimentos às necessidades de quem recebe e às possibilidades de quem paga é a concreção do princípio da proporcionalidade. Ora, quando os alimentos forem fixados sem atender a tal princípio norteador, cabe sempre, e a qualquer tempo, a retificação do quantum, sob pena de perpetuar-se injustiças, como no caso concreto. Por tais fundamentos, nego provimento ao recurso.

Dra. Walda Maria Melo Pierro Concordo com a Desembargadora Presidente. DESA. MARIA BERENICE DIAS – Presidente – Agravo de Instrumento nº 70011932688, Comarca de Cachoeirinha: “POR MAIORIA NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO O RELATOR.” Julgador(a) de 1º Grau: GENECI RIBEIRO DE CAMPOS Por acordo, os alimentos foram estipulados em dois salários mínimos e mais despesas de educação, quando o genitor percebia 12 mil reais de salário, além de ter outras fontes de rendimento. Isto gerou o pedido de revisão. “Impedir o reequacionamento em obediência à coisa julgada é perpetuar a injustiça que o acordo consolidou”, assevera a doutrinadora, ressaltando que o acordo inicial desatendera ao interesse do filho, com o que, inclusive, sequer poderia a mãe ter concordado. Com base em tais fundamentos é que a maioria, invocando a primazia do princípio da proporcionalidade sobre a coisa julgada, procedeu à necessária equalização do valor dos alimentos, fixando-os de forma proporcional aos ganhos do genitor. E conclui afirmando que não pode a Justiça, em nome da segurança jurídica que representa o respeito à coisa julgada, “favorecer quem age de má-fé e descumpre o dever de lealdade processual. Sobretudo, não pode ser conivente com quem desatende ao encargo maior do poder familiar: garantir a vida do filho”. Como se vê, poderíamos prosseguir levantando casos e mais casos para demonstrar quão importante se faz a relativização da coisa julgada no Direito de Família, mas não é nosso intuito cansar o leitor. Bastam estes poucos exemplos.

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